Chegou a vez de Khadafi?

Uma piada que circulou pelo Twitter depois da queda do ditador egípcio Hosni Mubarak, na semana passada, dizia o seguinte: “Depois da sexta-feira da vitória na Tunísia e da sexta-feira da liberdade no Egito, Khadafi decidiu abolir as sextas-feiras”. A frase é uma sátira ao comportamento excêntrico do ditador da Líbia, Muammar Khadafi, conhecido por seus atos e declarações bizarros, mas levanta uma questão importante. Como Khadafi, que está há quase 42 anos no poder, vai lidar com os protetos da oposição que tentam transformá-lo em mais um ditador no caminho da onda de democratização que corre pelo mundo árabe?

A resposta para esta pergunta não vai tardar. Nesta quarta-feira (16) um confronto entre manifestantes anti-Khadafi e integrantes das forças de segurança estatais deixou pelo menos 38 feridos na cidade de Benghazi, a cerca de 1000 quilômetros a leste de Trípoli, a capital do país. Segundo a agência
Reuters, entre 500 e 600 pessoas, algumas armadas com pedras e bombas incendiárias, entraram em confronto com a polícia. A rede Al Jazeera informou, citando entrevista do escritor líbio Idris Al-Mesmari, que a polícia dispersou o protesto usando cassetetes, gás lacrimogêneo e canhões de água. Um vídeo postado no Youtube por um usuário que alega estar em Benghazi mostra uma multidão de pessoas correndo enquanto o que seriam tiros são ouvidos. De acordo com a rede de TV americana CNN, a manifestação seria um protesto contra a prisão do ativista pelos direitos humanos Fathi Terbil. Advogado, Terbil representa as famílias de cerca de 1,2 mil detentos da prisão de Abu Slim que foram massacrados por forças de segurança em 1996.

O conflito em Benghazi pode ser apenas o início dos problemas de Khadafi. Um grupo de 213 personalidades líbias assinou um documento pedindo a renúncia de Khadafi e o direito de a população se manifestar. Como no Egito, um grupo de oposicionistas mantém uma página no
Facebook na qual convocou, para esta quinta-feira (17), um “dia de fúria” contra o governo, com manifestações programadas para Trípoli e outras cidades. A página foi “curtida” por quase 14 mil pessoas, mas esse número não pode servir como base para especular qual tamanho os protestos terão. 

Enquanto isso, o governo Khadafi se arma para evitar uma derrocada semelhante às ocorridas na Tunísia e no Egito. Nesta quarta, diversas manifestações pró-Khadafi foram registradas em várias cidades. Alguns blogueiros e ativistas de direitos humanos teriam sido presos, e durante algumas horas os sites das emissoras Al Arabiya e Al Jazeera e as redes sociais Twitter, Facebook e YouTube teriam sido tiradas do ar.

De acordo com especialistas, a situação de Khadafi seria mais confortável que as de Zine El-Abidine Ben Ali (Tunísia) e Hosni Mubarak (Egito). Bem servida de petróleo e gás natural, a Líbia é um país rico, o que permite ao governo cooptar muitos de seus manifestantes com benesses e subornos. Além disso, a opressão sobre a imprensa e os oposicionistas são muito maiores que no Egito e na Tunísia. A ONG Repórteres sem Fronteiras classifica a liberdade de imprensa na Líbia como “virtualmente não existente”. Na teoria, o poder na Líbia emana de comitês populares, um sistema que Khadafi criou e que chama de Jamahiriya, algo como “Estado das massas”. Na prática, não há oposição e ele governa sozinho.

O que diminui a pressão externa sobre Khadafi é que, há alguns, ele começou a se aproximar do ocidente. Em 2003, Khadafi reconheceu que seu governo estava por trás do atentado ao avião da Pan-Am, que explodiu sobre a cidade escocesa de Lockerbie em 1988. Em seguida, abriu mão de todas as armas de destruição em massa da Líbia. Depois, pagou indenizações às famílias das vítimas do atentado, a maior parte americanas e britânicas. Tudo isso fez com que a Líbia fosse retirada da lista de Estados que patrocinam o terrorismo e deixasse de sofrer com sanções internacionais. Mas Khadafi sabe que, se a Casa Branca abandonou Mubarak, um aliado de 30 anos, suas perspectivas não são das mais otimistas.

O que é certo é que, se a onda democrática chegar à Líbia, não se pode esperar qualquer razoabilidade de Khadafi. Em 2006, ele afirmou que a Líbia era a única democracia do mundo. Em 2008, Khadafi, um militar, foi declarado “rei dos reis” por um grupo de 200 membros de famílias reais e tradicionais da África. Em 2009, disse que os países da África não poderiam conviver com um sistema político multipartidário pois o continente é “tribal”. No ano passado, depois que um de seus filhos foi preso por abuso de álcool na Suíça, ele sugeriu que o país fosse “abolido” e afirmou que qualquer muçulmano que negociasse com a Suíça era um “apóstata, contra Maomé, Deus e o Corão”. É este o homem que a oposição líbia pretende derrotar. Ao que tudo indica, será uma tarefa ainda mais dura do que derrubar Ben Ali e Mubarak.
Fonte: Redação Época

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